Desenho da artista gaúcha Rita Brugger, para o livro o "Diário de um Imigrante", de Rita Bromberger Brugger, Editora Maneco, 1999.
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Alemães à procura de uma nova pátria no Brasil
O Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha exibe a exposição "O Brasil não é longe daqui - Alemães do Hunsrück e outras regiões à procura de uma nova pátria".
Tradição de avô a neto - o cartaz da exposição
A exposição itinerante "O Brasil não é longe daqui" tem Karen Lisboa como curadora e é uma verdadeira lição da história da imigração alemã, que completa 180 anos em 2004.Organizada pelo Instituto Cultural Brasileiro na Alemanha (Icbra), em Berlim, ela consiste em painéis explicativos e reproduções de fotografias que traçam um panorama da emigração alemã para o Brasil. Vindos do Hunsrück e de outras regiões, os alemães cruzaram o Atlântico em busca de uma nova pátria e de melhores condições de vida.
Passaporte de um imigrante com o sobrenome Müller, tão comum na Alemanha como Silva no Brasil
Os documentos e fotografias foram obtidos através de várias pessoas e junto a instituições alemãs e brasileiras, como o Museu Histórico de Bremerhaven, cidade portuária no norte da Alemanha, o Arquivo Histórico do Estado do Espírito Santo, a Sociedade Blumenau e o Memorial do Imigrante em São Paulo.
A imigração em filmes
Os visitantes também podem assistir três filmes ligados à temática: o documentário dos tempos do cinema mudo (1920) "Surgimento de uma colônia alemã no Brasil", que descreve em imagens e legendas as várias etapas, desde a chegada à região da futura colônia, o desmatamento e a construção das primeiras casas até a lavoura.
"Como se o tempo tivesse parado", de Gernot Schley, mostra o cotidiano de uma família de agricultores descedentes de pomeranos que se fixaram no sul do Brasil no século 19. E como são transmitidas de geração a geração as tradições de cultivo do solo, criação de animais e elaboração dos alimentos. O terceiro é "Jacobina", de Wolf Gauer e Jorge Bodansky, de 1978, um filme histórico sobre a seita religiosa dos "Muckers" fundada por Jakobine Maurer por volta de 1870 no Rio Grande do Sul.
Brasil queria população e mão-de-obra
Uma política de imigração só surgiu no Brasil a partir da independência em 1822, embora antes disso suíços tivessem fundado Nova Friburgo (RJ) e alemães a colônia Leopoldina, na Bahia. Importante na vinda de alemães ao Brasil foi o papel da Imperatriz Leopoldina, que era da poderosa dinastia dos Habsburg.
O Brasil tinha basicamente dois interesses na imigração: povoar regiões de pouca densidade demográfica, a fim de firmar as fronteiras. A idéia era também que a criação de pequenas propriedades e estruturas tipicamente familiares dessem impulso ao mercado interno. Por outro lado, os latifundiários precisavam de mão-de-obra sobretudo para a lavoura do café e após a abolição da escravidão (1850).
A travessia nos navios dos séculos 19 e mesmo no começo do século 20 era uma aventura com desfecho incerto
As várias ondas de imigração
Como não houve um registro sistemático das autoridades brasileiras, só há estimativas do número dos imigrantes alemães. Elas variam de 235 mil a 280 mil no período de 1824 a 1940. Até meados do século 19, a maioria dos imigrantes era procedente do sudoeste da Alemanha. Por volta de 1820 houve uma grande onda de emigração do Hunsrück, do Sarre e do Palatinado. Foram 4800 hunsrüquianos ao Brasil entre 1824 e 1829.
Em São Leopoldo e arredores ainda hoje em dia se encontra descendentes desses colonos que falam o dialeto dessa região. Mas o alemão falado pelos colonos também sofreu a influência das palavras novas do português, resultando numa curiosa simbiose, como documenta a exposição, através de uma lista de termos alemães emprestados do português. "Baderne", por exemplo, a nossa baderna, usado em vez de Unordnung, como manda o alemão não bagunçado.
Os pioneiros e sua contribuição
A partir de 1850 aumentou a emigração do norte e do leste da Alemanha. Grandes ondas migratórias houve em 1870, 1890 e, sobretudo, entre 1920 e 1930. No entanto, a emigração alemã não chegou a ser numericamente tão representativa quanto a portuguesa, espanhola ou italiana. Seu significado, porém, foi grande, pois coube-lhes o trabalho pioneiro de desbravarem sozinhos o sul do Brasil e estabelecer as primeiras lavouras, até que os demais chegassem, a partir de 1870.
E ali construir também suas escolas, pois ainda não se podia falar de um sistema escolar brasileiro no século 19. Quem sabia um pouco mais, trocava a enxada pela lousa e o giz. ..."há aulas em todas as picadas, mas com muita interrupção; uma vez é o professor que não tem tempo, outra é a criança e, mal começa a escola, vem o tempo de colher", escreveu Peter Tatsch, do Hunsrück, que foi parar em São Leopoldo, à sua família na Alemanha.
A fé protestante na bagagem
As primeiras igrejas protestantes também estão documentadas na exposição. No início, elas não podiam ter torres nem sinos, proibição que só acabou com a proclamação da República e a separação entre o Estado e a Igreja. Uma foto mostra a de Campinho, hoje Domingos Martins, no Espírito Santo.
Construída em 1887, ela foi a primeira igreja luterana a ser erguida com uma torre, apesar da proibição. A igreja representou um papel importante na vida social dos imigrantes, principalmente no tocante a escolas, à conservação das festas, tradições e do idioma alemão.
Assimilação e nacionalização
Em mais de um século de imigração, os alemães e seus descendentes acabaram criando uma cultura que pode ser chamada de teuto-brasileira. Conforme a região em que se fixaram, eles estiveram expostos às mudanças resultantes do processo de adaptação à sociedade brasileira e convívio com outras nacionalidades. A assimilação foi mais rápida nos grandes centros urbanos.
Mas também houve problemas de integração e dificuldades, principalmente durante a Primeira Guerra Mundial, a campanha de nacionalização do governo brasileiro no final da década de 30 e também durante a Segunda Guerra Mundial. O uso do idioma alemão em público chegou a ser proibido, assim como escolas, associações e publicações. A partir de 1945 foram suspensas as proibições.
Garotada das famílias Reinholz e Kempin, de Domingos Martins (ES), foto de C. Franceschetto, 1995
Consta que onde há três alemães com o mesmo interesse, funda-se uma associação. E no Brasil não foi diferente, surgindo principalmente as associações de ginástica, canto e atiradores, conforme o modelo das Turnvereine, Gesangvereine e Schützenvereine. Uma foto de Curitiba mostra o grande casarão que abrigou a Liga Alemã de Cantores, em 1887.
Cidades, indústria e comércio
Na parte referente ao desenvolvimento das cidades, a exposição mostra reproduções de quadros antigos e fotografias, documentando como surgiram Blumenau, fundada em 1850 e resultando de uma colônia particular, Joinville (SC), antes Kolonie Dona Francisca, Novo Hamburgo (RS) e Petrópolis (1846). Não foi apenas a agricultura que propiciou o surgimento das cidades. Os colonos alemães também eram exímios artesãos e aos poucos surgiram microempresas e as primeiras indústrias.
No início do século 20 surgiram também empresas alemãs em cidades como Porto Alegre, Curitiba, Rio Grande e Florianópolis. A São Paulo de 1890 tinha 2500 alemães entre seus 50 mil habitantes. Eles controlavam 18% dos ofícios, 19% da indústria e 7% do comércio naquela época. Outros painéis da exposição abordam a contribuição alemã para a agricultura e as técnicas de construção de casas. E não podiam faltar detalhes sobre a "viagem rumo ao desconhecido", os barcos e companhias que trouxeram os imigrantes, sua chegada e as hospedarias onde passaram os primeiros dias na sua nova pátria.
Roteiro da exposição
Até o dia 28 de março, "O Brasil não é longe daqui" pode ser visto em Berlim. Depois, segundo o Icbra, seu roteiro deve ser o seguinte:
- Boppard (2 a 27 de abril),
- Frankfurt (30 de abril a 8 de junho),
- Simmern (11 de junho a 20 de julho),
- Berlim novamente (23 de julho a 17 de agosto),
- Idar-Oberstein (20 de agosto a 28 de setembro),
- Kaiserslautern (1º a 26 de outubro),
- Weiskirchen (29 de outubro a 23 de novembro)
Autoria: Neusa Soliz
10.03.2004
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Como os alemães lançaram raízes no Brasil
Por que o Império brasileiro atraiu alemães? Por que eles aceitaram trocar a Alemanha pelo Brasil? O que enfrentaram em sua nova pátria? Uma entrevista com o professor Lauro Müller.
Primeiras casas de imigrantes no Vale do Rio dos Sinos no século 19
A maior parte dos primeiros imigrantes alemães no Brasil era de camponeses. Mas também vieram muitos artesãos que contribuíram para o início da industrialização no Sul do país. Tanto uns quanto outros procuravam no Brasil condições para progredir que não encontravam mais na Alemanha, explica o historiador Telmo Lauro Müller, autor de mais de 20 livros sobre a colonização alemã no Brasil, que está completando 180 anos em 2004.
Em sua recente viagem à Alemanha, para divulgar as comemorações dos 180 anos da imigração alemã no Brasil, o professor e diretor do Museu Histórico de São Leopoldo (RS) conversou com DW-WORLD.DE.
DW-WORLD.DE: Por que o Império brasileiro escolheu justamente imigrantes alemães para colonizar o Sul do país e, assim, garantir as fronteiras?
Prof. Telmo Müller: Portugueses e seus descendentes já estavam no país e, além do mais, o Brasil declarara sua independência. Imigrantes espanhóis não vinham ao caso porque os espanhóis eram os inimigos no sul, contra os quais se tinha de defender as fronteiras. Os franceses antes atacaram o Rio de Janeiro, tentando fundar ali a França Antártica. Os ingleses também haviam tentado se estabelecer no Brasil, e os holandeses mantiveram o Nordeste ocupado por 24 anos.
Por que não os alemães? A imperatriz Leopoldina era filha do imperador da Áustria, mas era alemã, da dinastia dos Habsburgo. Leopoldina sabia que sua antepassada, a imperatriz Maria Tereza, ordenara a colonização ao longo do Rio Danúbio para conter o avanço dos turcos em direção ao Centro da Europa.
A situação no Sul do Brasil era parecida. Achava-se que a colonização desses territórios contribuiria para firmar a estabilidade geopolítica. A Prússia, da qual resultaria depois a Alemanha, possuía um exército, e dom Pedro I admirava o exército prussiano. O Brasil precisava de soldados, pois quem iria defender o Brasil, depois da independência? Dom Pedro estava interessado em mercenários alemães, mas, possivelmente para não expor sua intenção, decidiu chamar colonos para povoarem o Sul.
O que o governo brasileiro fez para atrair colonos alemães no século 19?
Houve vários incentivos. O governo brasileiro procurou atrair gente pagando a viagem, prometeu terras, sementes, gado, suprir o necessário no início, material de construção, ferramentas, prometeu também o gozo de todos os direitos civis, isenção de impostos por cinco anos e liberdade de crença.
No Brasil diz-se que, quando a esmola é muita, o santo desconfia. Os alemães só foram desconfiar de tantas promessas quando era tarde demais. No caso de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, as parcelas dos primeiros imigrantes ficavam a 30 ou 40 quilômetros do local onde eles eram deixados no litoral. E não havia estradas, nem ruas, nem escolas, nem nada, o que deve ter causado muito trabalho e lágrimas, no início.
E, no que diz respeito à liberdade religiosa, o governo deveria ter previsto que viriam muitos protestantes entre os colonos. Acontece que, pela Constituição do Império, de 1824, o catolicismo era a religião oficial. Ou seja, a liberdade de confissão prometida aos colonos era inconstitucional. Por isso, os cultos de outras religiões só podiam se realizar em recinto privado, em casas que, por fora, não tivessem caráter de igreja.
E que motivo tinham os alemães para deixar seu país e ir desbravar regiões inóspitas no Brasil. Não terá sido apenas o espírito de aventura?
Certamente os mais jovens tinham esse espírito. No fundo, ninguém pode dizer exatamente o que motivou essas pessoas. Muitas certamente foram movidas pelo desejo, muito humano, de progredir, de levar uma vida melhor, o que não era possível em seu país naquela época. Nas famílias alemãs, apenas o filho mais velho herdava. Mas era comum terem oito, dez ou até mais filhos.
A propaganda do governo brasileiro despertou muita esperança nos camponeses alemães. Possuir terras era um sonho para muitos. E que terras! Sessenta ou 70 hectares eram uma quantidade impressionante.
Depois é preciso ver as razões históricas. As guerras napoleônicas haviam levado miséria e caos à Alemanha na época da emigração para o Brasil. As lavouras eram destruídas, casas incendiadas, morte, os homens foram dizimados, as mulheres violentadas pelos soldados. A Renânia, a região do Rio Reno, de onde emigraram muitos, sempre havia sido palco de conflitos e guerras. A agricultura era a principal atividade nas primeiras colônias alemãs no Rio Grande do Sul e outros estados do Brasil
Professor Lauro Müller, no Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, o qual dirige
Mas foram somente camponeses que se mudaram para o Brasil?
Além de agricultores, foram também artesãos. A emigração começou em 1824, isto é, 70 anos após a invenção da máquina a vapor na Inglaterra, e seus efeitos aos poucos se faziam notar no continente europeu: a mão-de-obra tornou-se supérflua. A perspectiva de não ter trabalho deve ter pesado entre as razões de emigração.
Posteriormente, pudemos reconhecer que esses artífices que ficaram sem possibilidades na Alemanha foram de grande importância para o início da industrialização no Sul do Brasil. Eles trabalhavam com couro, ferro, madeira e os mais diversos materiais. Muitos sobrenomes alemães que encontramos no Brasil são designação de ofícios: Schmidt é Schmied, o ferreiro; Weber é o tecelão; Zimmermann é o carpinteiro; Müller, o moleiro.
O trabalho desses artesãos era muito apreciado. Aurélio Porto, que escreveuO Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul, diz que a palavra serigote, que significa uma sela rústica, vem do sehr gut (muito bom) do alemão, pois o trabalho alemão acabou sendo apreciado pelos gaúchos de São Francisco, a parte de cima da serra. Com seu trabalho, os artesãos constituíram a base, o ponto de partida para a industrialização no Rio Grande do Sul. Dai não é de se admirar que muitas indústrias tenham se concentrado no Vale dos Sinos.
Por onde se espalharam os alemães no Brasil?
A Deutsche Kolonie de São Leopoldo se estendia de Sapucaia do Sul até Campo dos Bugres, hoje Caxias do Sul, no norte, e de Taquara, no leste, até Montenegro, no oeste. Com a chegada de mais imigrantes, surgiram novas colônias e povoações nos vales dos rios Taquari (Estrela, Lajeado, Teutônia e outras), Pardo e Pardinho (Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Candelária) e no sul do Estado (São Lourenço). Essas e outras são chamadas povoações da "segunda geração".
No final do século 19 e começo do século 20, os imigrantes se concentraram na serra, em lugares como Ijuí, Santa Rosa, Panambi, Cerro Largo e muitos outros. Depois começaram a se expandir pelo Brasil, através de seus descendentes de segunda, terceira e quarta geração.
Os que vieram do Rio Grande povoaram a parte oeste de Santa Catarina, depois de atravessar o Rio Uruguai. Alguns seguiram para o Paraná e de lá muitos foram para o Mato Grosso. Hoje eles já chegaram em Rondônia. Por isso não é raro encontrar gente loira de olhos azuis, tomando chimarrão e falando alemão bem no norte do Brasil.
A década de 30 foi difícil para os alemães no Brasil, não somente por causa da nacionalização de Getúlio Vargas...
Fachada do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo
Foi a época das ditaduras: Salazar em Portugal, Mussolini na Itália, Stalin na Rússia, Hitler na Alemanha e Vargas no Brasil. A ideologia de Hitler encontrou adeptos em vários lugares, e o próprio Getúlio chegou a simpatizar com ela.
Havia agentes nazistas que tentaram ganhar adeptos entre a colônia alemã, não apenas no Rio Grande do Sul, como também em outros estados. Mas daí a concluir que os colonos alemães e seus descendentes eram nazistas, não tem cabimento.
Vargas tentou combater a propaganda nazista com sua campanha de nacionalização. Ao mesmo tempo, ele queria limitar qualquer influência política dos alemães. Falar alemão em público foi proibido. Meu pai, por exemplo, foi chamado à delegacia por ter dito Guten Morgen (bom dia), ao cumprimentar alguém na rua. E havia quem denunciasse isso.
A polícia também chegava na casa das pessoas e dava fim em tudo o que estivesse escrito em alemão. Até bíblias foram confiscadas nessa época, e houve quem destruísse aqueles pratos de parede que as famílias alemãs tinham com os dizeres Glaube, Liebe, Hoffnung (Fé, amor, esperança), só para evitar problema.
No Museu Histórico de São Leopoldo, eu tenho alguns desses panôs bordados com dizeres em alemão, que se colocava na cozinha, geralmente em cima do fogão. Pois uma vez veio uma senhora visitar o museu e me disse: "Se eu soubesse que isso um dia ia parar num museu, eu teria guardado. O meu virou capacho quando o alemão foi proibido."
Essa época foi difícil, pois os jornais foram proibidos, cultos e missas em alemão também, assim como reuniões nas associações que os alemães fundaram, de canto, ginástica e atiradores. Mas o pior de tudo foi o fechamento das escolas, pois eram centenas, e o governo não tinha condições de assumir de uma vez todos esses alunos, foi um caos.
Não se perdeu o idioma alemão com isso, as tradições?
As tradições alemãs sofreram muito e, onde antes havia bailes, festas, teatro e cantoria, se estabeleceu o silêncio e o medo. Uma geração inteira ficou sem conhecer suas raízes, o que é importante como orientação e para a identidade. Muitos esqueceram o alemão que sabiam, ou nem aprenderam a língua, o que é uma perda irreparável. Durante a Segunda Guerra isso se acentuou mais ainda.
Somente depois é que a vida nas regiões de colonização alemã tornou a voltar ao ritmo normal. Calcula-se que um quinto dos gaúchos falem alemão, uns falam bem, outros só um pouco. Há quem fale também o dialeto do Hunsrück, que eu aprendi na minha família, mas isso infelizmente está se perdendo, tanto o alemão como o dialeto. Hoje o alemão também é ensinado nas escolas públicas.
Mas, a bem da verdade, é preciso dizer que, na época da guerra, muitas autoridades no interior do Estado conheciam as comunidades alemãs, sabiam que todos ali eram bons cidadãos brasileiros, cujo único crime era a sua origem alemã, e por isso reagiram com muita moderação. Os poucos demagogos que aderiram à funesta ideologia, e que provocaram tudo isso, nunca pagaram por aquilo que fizeram.
Redator(a): Neusa Soliz
13.04.2004
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As diferentes fases da imigração alemã no Brasil
Das primeiras colônias e as proibições na época do império, às grandes levas nas décadas de 20 e 30, até a Segunda Guerra, com perseguidos e algozes que buscaram refúgio no Brasil: os dados da imigração alemã.
Arquitetura alemã no sul do Brasil
O Brasil atraiu apenas 4,5 milhões de emigrantes europeus, de um contingente de 50 milhões que deixaram o Velho Continente do século 19 até a Segunda Guerra (1939-1945). Os demais foram para os Estados Unidos, a Austrália, a Argentina, o Uruguai ou outros destinos.
Os alemães representaram aproximadamente 5% dos imigrantes que buscaram uma nova pátria no Brasil. Ao longo de mais de cem anos, chegaram ao Brasil aproximadamente 250 mil alemães. Atualmente, calcula-se em cinco milhões o número de seus descendentes em solo brasileiro.
O início
O primeiro grupo de imigrantes fixou-se no sul da Bahia em 1818, mas foi em 1824 que chegaram os que formariam a primeira colônia alemã no Rio Grande do Sul, a atual São Leopoldo.
Em 1827, desembarcavam os primeiros alemães no porto de Santos, levados a Santo Amaro. Os grupos seguintes fixaram-se em Itapecerica, São Roque e Embu, ou foram levados para Rio Claro e as plantações de café no interior de São Paulo.
Em 1829, começava a colonização alemã em Santa Catarina, em São Pedro de Alcântara e Mafra e, a seguir, em Rio Negro, no Paraná. Em Curitiba, os imigrantes começam a chegar em maior número em 1833.
Sul atraiu mais imigrantes
O Rio Grande do Sul recebeu a maior parte dos imigrantes alemães, seguido de Santa Catarina. Na década de 30 do século passado, 20% da população desses estados já era de origem alemã. No Paraná, em São Paulo e no Espírito Santo a porcentagem foi menor, mas igualmente significativa. Minas Gerais e o Rio de Janeiro receberam contingentes quantitativamente menores, embora a presença alemã em cidades como Juiz de Fora e Petrópolis tenha sido marcante.
Colheita de café
Enquanto o objetivo da colonização na Região Sul era sedimentar a posse e a manutenção do território através do povoamento, em São Paulo o fundamental era suprir a carência de mão-de-obra nas lavouras de café.
Prússia chegou a proibir emigração para o Brasil
O fluxo anual foi pequeno no início da imigração alemã, mas contínuo, chegando ao auge em 1920. Organizada por associações e companhias criadas com o fim explícito de levar emigrantes ao Brasil, a colonização não ocorreu sempre de forma ordenada e conforme as expectativas dos que haviam deixado a Europa em busca de terras e de uma vida melhor. Em 1830, o imperador dom Pedro I vetou qualquer subvenção à entrada de estrangeiros no país.
Otto von Bismarck, o fundador do Império Alemão
Entre 1850 e 1871, ano da instituição do Império Alemão, a imigração se intensificou, com algumas interrupções temporárias. Os recém-chegados se estabeleceram nas regiões costeiras de Santa Catarina e no vale do Itajaí, fundando, em 1850/51 a Colônia Dona Francisca, hoje Joinville. Seguiu-se Blumenau, em 1854 e Brusque, em 1860.
A falta de assistência e recursos para alguns grupos de colonos, o não cumprimento de promessas e principalmente denúncias de trabalho escravo de alemães em plantações brasileiras levaram a Prússia e os estados alemães a proibirem, temporariamente, a emigração para o Brasil, em 1859. O Brasil se antecipou à proibição. Por odem do governo imperial do Brasil, cessou por alguns anos a imigração alemã. A última grande leva em meados do século 19, registrou-se em 1856.
O auge da imigração alemã
Grandes ondas migratórias foram registradas em 1870, 1890, e sobretudo entre as duas guerras mundiais. A imigração estrangeira no Brasil atingiu seu auge em 1891, quando ficou registrada a chegada de 215.239 pessoas de várias procedências ao país. Os dados referentes aos alemães são os seguintes, segundo o IBGE:
- 1884-1893: 22.778
- 1894-1903: 6.698
- 1904-1913: 33.859
- 1914-1923: 29.339
- 1924-1933: 61.723
- 1945-1949: 5.188
- 1950-1954: 12.204
- 1955-1959: 4.633
- A maioria dos imigrantes alemães, portanto, chegou ao Brasil entre 1920 e 1930. Entre o final da Primeira Guerra, em 1918, e 1933, ano da ascensão de Adolf Hitler ao poder, chegaram ao Brasil em torno de 80 mil alemães que procuravam escapar da instabilidade da República de Weimar.
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Décadas de 20 e 30: de acadêmicos a anarquistas
Tais imigrantes constituíram um contingente muito diversificado, como observa o professor René Gertz em seu artigo "Influência política alemã no Brasil na década de 30". Havia oficiais do exército, profissionais liberais e acadêmicos, burgueses arruinados, camponeses, artífices e operários urbanos. Como também militantes políticos, tanto de direita como social-democratas, anarquistas e comunistas. Não faltaram professores, comerciantes e até ex-funcionários das antigas colônias alemãs na África.
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Na década de 20, o avanço do comunismo motivou a ida para o Brasil de romenos, poloneses e russos de fala alemã. Muitos se estabeleceram no Paraná e no Sul, após uma passagem pelos cafezais paulistas.
Durante a década de 30, deu-se uma significativa expansão do número de empresas alemãs no Brasil, chegando ao país um novo contingente de cidadãos diretamente ligados a essas indústrias. Nessa época viviam no Brasil cerca de 100 mil alemães.
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- A partir de 23/11/1939, os judeus foram obrigados a usar a estrela de David com a inscrição 'judeu' na Polônia ocupada pelos nazistas. Posteriormente, também na Alemanha.
- Vítimas do nazismo e seus algozes
Não há dados sobre o número de pessoas que fugiram do regime nazista para o Brasil nas décadas de 30 e 40. Ainda antes da Segunda Guerra começaram a chegar judeus alemães, entre eles vários intelectuais e profissionais liberais. Em 1936, judeus alemães fundavam a Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência (Sibra), no Rio Grande do Sul.
Por outro lado, o governo Getúlio Vargas restringiu a entrada de estrangeiros, fixando cotas. Mas só houve uma interrupção do movimento imigratório de 1942 a 1952, por causa da Segunda Guerra (1939-1945), quando o Brasil proibiu a entrada de cidadãos dos países do Eixo (Japão, Itália e Alemanha).
Após a derrota e com o país reduzido a escombros, continuou a emigração alemã. Obviamente não há dados sobre a fuga de nazistas e pessoas comprometidas com o regime de Hitler para o Brasil. Mas sabe-se que a América do Sul, principalmente a Argentina, serviu de refúgio a muitos criminosos de guerra.
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Segundo pesquisa do jornalista argentino Jorge Camarasa, o governo argentino acobertou a entrada de nazistas no país, que entraram em massa no país pelo porto de Buenos Aires, entre 1947 e 1952. Camarasa discorda da tese de que o Brasil teria sido "o quartel-general dos nazistas" na América do Sul.
Além de Josef Mengele, que teria se afogado em 1979 em São Paulo, outros quatro criminosos nazistas viveram no Brasil: Gustav Wagner, Franz Stangl, Herbert Cockurs e o capitão da SS Eduard Roschmann. Do grupo, apenas Stangl, comandante dos tenebrosos campos de Treblinka e Sobibor, na Polônia, foi extraditado para a Alemanha, depois de localizado no Brasil, tendo sido condenado à prisão perpétua em 1967.
Um outro vestígio da passagem de nazistas pelo Brasil foi levantado pela Comissão Especial de Apuração de Patrimônios Nazistas no Brasil, que em 1997 havia identificado 14 contas bancárias pertencentes a nazistas que chegaram no Brasil depois de 1945. Os depósitos seriam distribuídos às vítimas do Holocausto residentes no Brasil.
Depois da Segunda Guerra, os fluxos migratórios mudaram radicalmente. A Europa precisava ser reconstruída, para o que necessitava de um tipo de mão-de-obra não qualificada para exercer ocupações que um europeu não estava mais disposto a fazer. Em vez de fornecer imigrantes, a Europa passou a receber imigrantes.
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Redator(a): Neusa Soliz
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10.05.2004
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Procedência dos alemães que emigraram para o Brasil
A origem dos imigrantes alemães de 1824 a 1878 foi a seguinte, segundo Emílio Willems:
- 1824 – São Leopoldo, RS: Hunsrück, Saxônia, Württemberg, Saxônia, Coburg (Baviera)
- 1847 – Santa Isabel, ES: Hunsrück, Pomerânia, Renânia, Prússia, Saxônia
- 1849 – Santa Cruz, RS: Renânia, Pomerânia, Silésia
- 1850 – Blumenau, SC: Pomerânia, Holstein, Hanôver, Braunschweig, Saxônia
- 1851 – Joinville, SC: Prússia, Oldenburgo, Renânia, Pomerânia, Schleswig-Holstein, Hanôver, Suíça
- 1857 – Santo Ângelo, RS: Renânia, Saxônia, Pomerânia
- 1857 – São Lourenço, RS: Pomerânia, Renânia
- 1857 – Santa Leopoldina, ES: Pomerânia, Renânia, Prússia, Saxônia
- 1859 – Nova Petrópolis RS: Pomerânia, Saxônia, Boêmia
- 1860 – Busque, SC: Baden, Oldenburgo, Schleswig-Holstein, Hanôver
- 1868 – Teutônia, RS: Vestfália
- 1878 – Curitiba, PR: teutos (alemães) do Volga
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A dura batalha para construir a nova pátria
Anália Eichendorf e August König
Atravessar o Oceano Atlântico era por si só uma aventura cheia de riscos. E o que dizer de colonizar um território ainda virgem? Ao chegar ao Brasil, o sonho de muitos dos imigrantes alemães esbarrava na realidade da falta de infra-estrutura e apoio para a implantação das colônias. Não foram poucos os pioneiros que se rebelaram.
August König foi um deles. O lavrador vivia em Neu Pouldorf (atual Nove Pavlovice), na região da Boêmia, na época parte do Império Austríaco e hoje da República Tcheca. Aos 32 anos, optou por tentar um futuro melhor no Sul do Brasil, através da companhia colonizadora com sede em Hamburgo.
Em 8 de maio de 1873, embarcou no porto alemão no navio Guttenberg com a esposa Therese, de 29 anos, e os filhos August, de quatro, e Maria, de um. Pouco mais de dois meses depois, a família König chegava à Colônia Dona Francisca (Joinville), em Santa Catarina.
Falsas promessas e família reduzida
Descobriram logo terem sido enganados com falsas promessas. A companhia colonizadora não possuía mais terras para distribuir. Juntamente com outros 70 imigrantes, August tomou a iniciativa de subir a serra. Foram abrindo o caminho até o planalto catarinense, onde escolheram um local para se instalar.
O pioneiro retornou a Joinville para buscar a família. No entanto, a esposa e o filho morreram no abrigo da companhia colonizadora. Mas August não podia mais desistir. Pôs a pequena Maria no lombo de uma mula, juntamente com seus pertences, e subiu a serra para a futura São Bento do Sul. Lá, recomeçou sua vida novamente como lavrador, mas depois abriu um salão de baile com bar e a primeira quadra de bolão da cidade.
Revolta de colonos
As dificuldades vividas na colônia revoltavam August. Além da legalização das terras, faltavam igreja, médicos e escola. O imigrante boêmio tornou-se um dos líderes dos colonos que se rebelaram no início de 1875. August e outros dois acabaram indo ao Rio de Janeiro para queixar-se ao governo imperial.
Um mês depois retornavam a São Bento sem ter conseguido "falar com o imperador" e resolver os problemas. No entanto, tiveram a oportunidade de relatar a situação ao embaixador alemão e ao cônsul austríaco, o que não ficou sem conseqüências. A questão chegou à Europa, e o governo da Prússia, assim como outros, conteve a emigração em massa para além-mar.
Mais tarde, August participou de outra revolta contra a direção da colônia de São Bento, reclamando solução para a miséria, a fome e a falta de pagamento dos trabalhadores que construíram a estrada ligando São Bento a Joinville.
Desta vez, o levante ganhou contornos violentos. O grupo fez o diretor da colônia como refém, forçou o comércio a fornecer mantimentos e desceu a serra em direção a Joinville. O movimento foi contido pela polícia. Os líderes da revolta foram presos e condenados a multas.
August casou então com Anália Eichendorf e teve mais cinco filhos, sendo que um deles nasceu morto. Novamente viúvo, o boêmio tomou Anna Wonke como sua terceira esposa, em 1895. August König morreu aos 83 anos em 1924.
Autoria: mw
15.05.2004
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Emigrar para além do Atlântico, uma aventura
Mudar-se para o Brasil no século 19 envolvia muitas dificuldades. DW-WORLD escolheu a história de duas famílias alemãs para retratar as agruras de atravessar o Atlântico e estabelecer-se na nova pátria.
Incentivados pela política do imperador dom Pedro I de trazer imigrantes europeus para colonizar e assegurar a posse do território brasileiro, os primeiros alemães chegaram à então província de São Pedro do Rio Grande em 25 de julho de 1824. O grupo de 39 pessoas havia deixado para trás sua terra natal em busca do sonho de uma vida melhor na distante América do Sul. O primeiro núcleo germânico no Brasil nasceu às margens do Rio dos Sinos, atual município de São Leopoldo, a apenas 30 quilômetros de Porto Alegre.
Três anos depois, começava a saga dos quatro irmãos Sander, do lugarejo de Bedesbach, perto de Kaiserslautern. Filhos de família numerosa, August, Adam, Jacob e um quarto irmão – cujo nome perdeu-se na memória das gerações seguintes – teriam embarcado em 1827 no porto de Hamburgo.
Não emigraram sós. Aos 35 anos, Adam mudou-se com a esposa Catarina e quatro filhos, enquanto Jacob, de 23, viajou acompanhado da mulher (também Catarina) e a sogra, então separada do marido. August, de 37, era solteiro. Estes três tiveram São Leopoldo como destino, enquanto o quarto irmão optou por ficar no Rio de Janeiro e servir como soldado no batalhão de estrangeiros do imperador dom Pedro I.
Tempestade quase acabou com o sonho
A travessia do Atlântico em veleiros naquela época não era sem riscos, o que os Sander logo comprovaram a bordo do navio Cecília. Ainda no Canal da Mancha, uma tempestade avariou a embarcação de tal modo que a tripulação decidiu abandoná-la, deixando os passageiros à mercê do destino. Um navio inglês, entretanto, surgiu e socorreu o veleiro, rebocando-o para Plymouth.
A escala forçada na Inglaterra durou mais de um ano. Enquanto esperavam, Jacob e Catarina tiveram um filho. Por interferência da imperatriz brasileira Amélia von Leuchtenberg, o grupo de imigrantes do qual os Sander fazia parte pôde retomar sua aventura marítima em outro navio. No começo de 1829, eles desembarcavam enfim no Rio de Janeiro.
Rumos diferentes na nova terra
Enquanto um dos irmãos decidia permanecer na capital do império brasileiro, o solteiro August tomava a frente e a 7 de março alcançava São Leopoldo, onde se casaria com uma brasileira. Depois, seguiu adiante para a fronteira cisplatina, junto ao Rio Uruguai. Já Adam e sua família chegaram a São Leopoldo em 14 de maio. Dez dias depois, foi a vez de Jacob e família. Com seus nomes abrasileirados para Adão e Jacó, os novos imigrantes instalaram-se em Dois Irmãos, nas proximidades de São Leopoldo.
Jacó revelou-se grande empreendedor, adquiriu muitas terras, participou da fundação do município de Três Coroas, construiu a primeira estrada de rodagem da região e a estação de trem hoje conhecida como Estação Sander na raiz da serra gaúcha. Já Adão dedicou-se à agricultura familiar e ao ensino. Ambos tiveram famílias numerosas, e seus descendentes espalharam-se pelo Brasil, do Rio Grande do Sul à Bahia e ao Mato Grosso.
Autoria: mw
21.05.2004
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As marcas dos alemães no Espírito Santo
Desde 1847, alemães marcam presença no Estado que tem a maior concentração de pomeranos do Brasil. Influência dos imigrantes deixou marcas e manifesta-se em muitos setores da vida capixaba.
Desfile alegórico em Domingos Martins em comemoração da chegada dos primeiros alemães
Desfile alegórico em Domingos Martins em comemoração da chegada dos primeiros alemãesté meados do século 19, somente a faixa costeira do Espírito Santo havia sido ocupada. Os primeiros a desbravar a serra no interior do Estado foram imigrantes da região de Hunsrück na Alemanha. Eram 39 famílias, 26 luteranas e 13 católicas, que em 1847 chegaram ao Brasil com a expectativa de se fixar no Sul do país, onde o clima era semelhante ao de sua terra natal. D. Pedro II, reconhecendo a necessidade de desenvolver o maciço central do Espírito Santo, ainda habitado por índios botocudos, resolveu enviar o grupo de 163 récem-chegados a essa área montanhosa e de clima ameno, para fundarem a colônia de Santa Isabel.
Desânimo inicial e conflito religioso
A princípio, cada família recebeu do governo uma parcela de 50 hectares de terra para o cultivo, além de uma ajuda de custo; não era uma doação, mas um empréstimo a ser pago a prazo. Após a demarcação das terras, cada família construiu uma primeira casa, de barro e folhas de palmeiras.
A grande distância entre as famílias, os perigos da mata, a dificuldade de adaptação à alimentação estranha (feijão preto, mandioca e caça), as cobras, a praga dos insetos e a falta de apoio por parte das autoridades contribuíram para o desânimo inicial. Nos primeiros dez anos, a mortandade chegou a superar a natalidade, as 38 famílias com 163 pessoas passaram para 39 famílias com 158 pessoas.
Além de todas as dificuldades iniciais, a convivência entre as famílias católicas e luteranas se deteriorou. A Vila de Viana, centro mais próximo da colônia de Santa Isabel, havia sido colonizada por católicos açorianos que se recusavam a negociar com os luteranos, dando exclusividade aos colonos católicos. O clima de hostilidade entre os grupos dividiu a colônia e retardou o desenvolvimento social das comunidades.
Os católicos, que inicialmente freqüentavam a igreja de Viana, se opunham à construção de uma igreja luterana. Os luteranos, resistindo à oposição, construíram sua primeira igreja em uma localidade um pouco mais acima de Santa Isabel, dando origem à atual Domingos Martins. Foi a primeira igreja luterana do Brasil.
Prosperidade e crescimento
Em 1858, o ex-oficial prussiano Adalberto Jahn assumiu a administração da colônia de Santa Isabel e os problemas econômicos de maior urgência começaram a ser resolvidos. Além disso, a reorganização social em torno da igreja e a criação de escolas trouxe certa estabilidade social. Logo vieram outros imigrantes atraídos pela promessa de terras e trabalho.
Em meados de 1860, a colônia de Santa Isabel já era constituída por 628 pessoas, imigrantes da mesma região dos pioneiros, bávaros e prussianos entre outros. Os colonos já colhiam dez mil arrobas de café e os alojamentos temporários foram substituídos por casas mais resistentes. A vida começou a melhorar.
Com a prosperidade, a tendência inicial se inverteu e a natalidade passou a superar a mortalidade, de tal forma que em 1912 a taxa anual de crescimento vegetativo entre os colonos era de 4% e a mortalidade, mínima. Famílias com 12 a 20 filhos eram comuns.
A colônia de Santa Isabel ainda se encontrava isolada na região serrana do Espírito Santo, quando uma nova leva de imigração deu início ao que mais tarde se tornaria um complexo de colônias européias bastante peculiar e relativamente desconhecido fora do Estado.
Santa Leopoldina – região de todas as Europas
D. Pedro II, animado com o sucesso da primeira empreitada, permitiu o assentamento de novos grupos de imigrantes. Surgiram novas colônias imperiais, como a de Santa Leopoldina em 1857, onde chegaram principalmente imigrantes da Prússia, Saxônia, Hessen, Baden e Baviera, além de outras regiões da Alemanha.
Cena rural no Espírito Santo
Com a grande leva de alemães, vieram também famílias de luxemburgueses, austríacos do Tirol, holandeses e suíços, entre outros. Hoje, encravadas nas encostas das montanhas, próximas a rios e cachoeiras e muitas vezes ainda cercadas pela Mata Atlântica, o visitante encontra vilas com o nome de Tirol, Nova Holanda, Luxemburgo ou Suíça.
A imigração durou até 1879, quando só em Santa Leopoldina os colonos e seus descendentes já eram cerca de sete mil, número que subiu para 18 mil em 1912. Em 1960, calculava-se a existência de cerca de 73 mil teuto-capixabas, ou seja, 6% da população do Estado. Em 1980 esse número já estava por volta de 145 mil. Hoje estima-se que vivem no Espírito Santo aproximadamente 250 mil descendentes de imigrantes alemães.
Festa em escola na localidade de Santo Bento do Chapéu, no interior do Espírito Santo, em 1906
A maior Pomerânia brasileira
O ano de 1859 inaugurou uma reestruturação étnica decisiva para as colônias, com a chegada em grande número de colonos da Pomerânia, na época uma província prussiana que conservava sua identidade cultural particular frente às diversas tentativas de dominação por parte de dinamarqueses, suecos e alemães. A Pomerânia compreendia uma estreita faixa entre o Mar Báltico e a Polônia, onde dominava a grande propriedade. A tradição ali era que somente um dos filhos herdasse a propriedade paterna, aos outros restava a opção de trabalhar em terras alheias ou emigrar.
Enquanto em outros estados brasileiros os pomeranos eram minoria entre os colonos alemães, no Espírito Santo aconteceu o contrário. De 1859 em diante os pomeranos, de confissão luterana, aportaram aos milhares e se tornaram maioria absoluta entre os colonos alemães. Assentados entre serras e matas, distante dos centros comerciais, os pomeranos foram submetidos a um isolamento que contribuiu para a preservação de sua cultura original.
Concentrados principalmente em Santa Maria de Jetibá e seus arredores, Pancas, Laranja da Terra, Vila Pavão, Santa Leopoldina e Domingos Martins, estima-se uma população de 120 mil pomeranos no Espírito Santo, a maior concentração em todo o Brasil.
"Pomerod" – língua dominante
Ignorados pelo poder público, sem acesso ao ensino do português, comunicando-se raramente com pessoas de fora da colônia e dependendo quase que exclusivamente da iniciativa das igrejas para a educação de seus filhos, os colonos não tiveram outra possibilidade senão continuar a falar seus dialetos. Se a princípio os diversos grupos alemães falavam cada qual seu dialeto particular, com o passar do tempo, o "pomerod", dialeto pomerano comum, acabou prevalecendo.
O professor Frederico Herdmann Seide, estudioso da imigração alemã no Espírito Santo, explica que havia uma divisão natural, o Rio Jucu, entre a colônia dos pomeranos e a dos hunsrückers. De acordo com o relato dos antigos e o registro das igrejas luteranas, se deduz que já a primeira geração de brasileiros desrespeitou essa linha divisória.
Os hunsrückers tiveram mais filhos (homens), enquanto havia mais mulheres entre os pomeranos jovens. Em uma festa da igreja, os rapazes do lado direito do rio encontraram-se com pomeranas do outro lado, no campo delas, e o resultado foi o esperado. A partir daí, muitos meninos e meninas da colônia dos hunsrückers passaram a falar o dialeto pomerano da mãe.
"Ik bin pommer" – a revalorização das raízes
A tendência externa de folclorizar os pomeranos não se baseia tanto na realidade local como em uma expectativa anacrônica daqueles que se encantam ou surpreendem com esse grupo étnico, ainda relativamente homogêneo, que já desde a Europa resistia à assimilação cultural.
O isolamento em que viviam os pomeranos, seja por vontade própria ou por força das circunstâncias, contribuiu não só para a sobrevivência das tradições e do dialeto. A falta de contato também contribuiu para o surgimento de especulações sobre os pomeranos, gerando algumas vezes desinformação prejudicial à comunidade.
O trabalho na lavoura em áreas desmatadas com pouca sombra, o uso de agrotóxicos e a exposição diária ao sol intenso causaram entre os descendentes um câncer de pele, o "câncer ecológico", que provocou mutilação e morte entre os pomeranos, fato que se tornou conhecido até internacionalmente. Uma iniciativa da Igreja Luterana e da Universidade Federal do Espírito Santo criou há 15 anos um programa de tratamento e prevenção que ajudou a resgatar a auto-estima local, abalada pela doença e sua repercussão na mídia.
Hoje, os descendentes dos colonos estão presentes em todas as esferas político-administrativas e intelectuais da região. A nova geração está cada vez mais consciente da necessidade de manutenção e valorização de uma identidade própria, viva e atual, portanto em transformação.
Desfile Alegórico da XV Festa de Verão, realizada anualmente em comemoração da chegada dos primeiros alemães em Domingos Martins
Imigração alemã – influência no real e imaginárAlém das famosas e inúmeras festas promovidas pelas cidades, com temas diversos, normalmente ligados à agricultura, existem uma rádio e um jornal pomeranos e já foi lançado um CD de rock pomerano e outro de concertina. Os grupos de música e dança folclóricas foram pioneiros nesse processo de revitalização. Entre os grupos musicais merecem destaque os Pomeranos de Melgaço, o Isarbohn de Laranja da Terra, a dupla de paródias Rodolfo e Fredolin de Vila Valério, além do grande número de tocadores de concertina, o principal instrumento pomerano.
O antropólogo e lingüista Ismael Tressmann planeja lançar, até o final do ano, um dicionário com aproximadamente 15 mil palavras pomeranas e informações históricas, geográficas e etmológicas. Há também um projeto para ensinar o "pomerod" nas escolas locais. Além disso, um dos rituais mais importantes entre os pomeranos, o casamento, volta a ser celebrado pelos jovens na forma tradicional.
Imigração alemã – influência no real e imaginário
São muitas a histórias que ficaram da colonização e que continuam sendo transmitidas principalmente pela tradição oral nas famílias. Uma das personagens mais conhecidas é a alemã Martha Wolkart, figura mitólogica que, no início do século passado, oscilando entre atos de bondade e tirania, protegia e aterrorizava a população local com seu bando de jagunços.
Dona Martha cuidava por um lado dos mais necessitados, enquanto ordenava assassinatos, oprimindo qualquer dissidência e dominando por completo a vida pública e econômica local através do medo.
Uma figura de destaque é Roberto Kautsky, pesquisador de renome internacional e profundo conhecedor da Mata Atlântica. Sua pesquisa contribuiu para o descobrimento de mais de 130 novos gêneros de bromélias, entre outras plantas e animais. A fábrica de chocolates Garoto também é produto de um imigrante alemão mais recente, Helmut Meyerfreund, que em 1929 começou sozinho com a fabricação de balas e bombons.
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