Carta relatório do imigrante Anton Pospisill
Pioneiros 02 de Abril de 2021
Trata-se de trecho da narrativa de viagem do imigrante, desde a saída do porto de Hamburgo, na Alemanha, até o Porto São Francisco do Sul, em Santa Catarina. É um relato sobre o que vivenciou na grande aventura para chegar à América.
A descrição foi inicialmente publicada pela "Nordmährische Rundschau" (Revista da Morávia do Norte), edição de 1904. A Morávia do Norte, na época do imigração de Popisill, sua terra natal, fazia parte do território austro-húngaro. Em 1929, a publicação foi reproduzida no livro "Die Deutschen in Paraná", do pastor Wilhelm Fugmann, editado na cidade de Ponta Grossa. Mais recentemente o livro foi traduzido, com o título de "Os Alemães no Paraná", por Paulo Grötzner).
Transatlântico de três mastros muito comum para a travessia do Atlântico no período imigratório para o continense americano.
A imagem é meramente ilustrativa e não corresponde a embarcação em que viajou o imigrante Antoni Pospisill.
Imagem: Acervo Ernesto Rosar -Santo Amaro da Imperatriz (SC).
Em1850, jornais na cidade de Hamburgo, publicaram o desenho acima, de um artista chamado "Puschkin". Ele nos da conta da verdadeira frebe de emigração que ocorrria na época. Muitos alemejavam ir para às Américas.
Imagem e legenda de Ernesto Rosar.
Miriade de mastros dos veleiros estaleirados no Porto de Hamburgo, década de 1870, na epopeia da imigração às Américas.
Imagem e legenda de Ernesto Rosar.
"No dia 8 de Maio de 1863, quando chegamos em Hamburgo, fomos alojados na nova Casa do Emigrante, onde permanecemos três dias. No segundo dia, fui até o cais para conhecer o navio que nos levaria para a América. Qual a minha surpresa, por mais de duas milhas, pontas e mais pontas de mastros, uma infinidade de navios e ninguém sabia informar qual seria o nosso.
No porto, o mar é muito tranquilo e nós imaginamos que assim seria por toda viajem. No terceiro dia nosso navio estava pronto para a partida, um veleiro de nome FRANKLIN. Nós mesmos tivemos que carregar as nossas bagagens até o porto, e só foram embarcadas no dia seguinte pela manhã. Logo em seguida um rebocador nos conduziu até KUXHAVEN, onde permanecemos por mais três dias, quando finalmente, partimos para o canal Inglês. Ventos contrários fortíssimos empurraram-nos mais de 100 milhas em direcção ao Mar do Norte. Estávamos acostumados com frio, mas nunca o sentimos tanto. E mais, todos estavam mareados, um deitado aqui outro ali, será difícil imaginar nossa situação.
Estávamos alojados no segundo convés, trancados como num galinheiro, éramos mais de 250 pessoas, sem qualquer assistência do pessoal de bordo. Os beliches até o teto para 4 ou 5 pessoas, todo mundo passando mal, só quem viveu a situação poderá imaginá-la. Estávamos todos muito enjoados. Tínhamos nojo de tudo, mesmo da melhor comida e quando a fome nos obrigava a comer, o estômago devolvia.
Depois de uma semana, tornamos a passar no mesmo lugar de onde saímos. Agora iniciamos a passagem no canal Inglês, e já no primeiro dia esbarramos duas vezes no fundo. Foram choques tão violentos que pensamos ter chegado nosso fim. Chegamos na região que habitualmente permanece sob forte neblina. Durante o dia navegava-se com permanente toque de sino, e a noite com foguetes sinalizadores. Hoje vapores modernos tem apitos que se ouvem de muito longe. Mas nós estávamos em um veleiro e mesmo com todos os sinos, foguetes e a atenção dos nossos marinheiros por pouco, muito pouco, não trombamos com outro veleiro. Graças a perícia da nossa tripu1ação, numa rápida manobra passamos à alguns metros do outro barco.
Enfim alcançamos o mar aberto. Avistamos ainda a ultima cidade em chão europeu: CALAIS, e daí por diante nada mais que céu e água. A viajem prometia ser tranquila, porém na segunda feira de Pentecostes, terça e quarta, fomos atingidos por uma tempestade tão violenta que fomos proibidos de sair do alojamento. Fomos trancafiados e não sabíamos mais o que acontecia. Por sorte nosso navio estava bem lastrado, com carga pesada o que evitou que o vento o virasse de lado e nós presos, morrêssemos miseravelmente afogados. Quando nos foi permitido sair o próprio capitão nos disse nunca ter enfrentado tamanha tormenta.
Fome não passamos, mas a comida era estranha e a agua não conseguíamos beber. A carne era boa porem muito salgada, provocando muita sede e a água nas barricas, fedorenta e cheia de vermes. Sempre que eu bebia, fechava os olhos e o nariz e assim conseguia engolir uns poucos goles. Em lugar de pão ofereciam-nos torradas, provavelmente assadas há anos, duras como pedras. Daria para partir a cabeça de alguém. O jeito era mergulhá-las no café ou no chá. Era bom? Não se questionava desde que a fome fosse aplacada.
Vimos baleias e tubarões. Divertimo-nos com os peixes voadores, muitos caiam a bordo e eram levados imediatamente para a cozinha. Faziam três meses que estávamos entre o céu e o mar e ainda não havia terra a vista. Acho que já estávamos tão desesperados, quanto o pessoal do Cristóvão Colombo. Até que numa manhã de chuva e nevoeiro avistamos uma mancha escura no horizonte. Corremos ao capitão, que de luneta nas mãos nos disse: “É terra”.
Finalmente terra! Foi uma alegria geral. Estávamos nos aproximando do Brasil, porém ainda a 30 milhas da costa, mas a esperança de logo deixar o navio e poder colocar os pés em terra firme, alegrou a todos. Após mais algum tempo chegamos a entrada de um porto, totalmente cercado de grandes montanhas, ventos fortes provocavam ondas enormes a quebrar no paredão de pedras. O comandante considerou impossível a entrada e ordenou lançar ancoras e aguardar melhor tempo.
Na manhã seguinte prosseguimos viajem e no mesmo dia alcançamos Santa Catarina. Também tivemos que ancorar devido ao mau tempo. Ao longe víamos montanhas e percebemos a proximidade de terra pela quantidade de folhas e gravetos boiando na água. Na manhã seguinte ficamos felizes com a chegada do prático que nos conduziu ao porto.
Vários barquinhos se aproximaram jogando laranjas e bananas que avidamente comemos. Novamente o navio bateu em uma pedra estremecendo a embarcação violentamente e todos muito assustados duvidamos pôr momentos, chegar vivos ao solo brasileiro. Imaginamos que teríamos o mesmo fim do nosso companheiro Manoel Schaffer, que uma semana antes falecera e o seu corpo costurado em um pedaço de lona, foi sepultado no mar.
Finalmente atracamos em Santa Catarina (São Francisco?) mas tivemos ordem de permanecer a bordo por mais três dias. Finalmente eu podia apreciar a paisagem, lindas palmeiras e as bananeiras que nunca tinha visto ao natural. Eu me senti como nascido de novo em uma terra melhor e muito mais bonita que a minha pátria”.
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