Uma viagem ao Iguassú

Pioneiros 18 de Junho de 2023

Ruinas de construções federaes — Estrangeiros no exercito — Falta de escolas — Impunidade dos criminosos — O regimen fiscal da região —Cultural e industrial — Terras publicas.


 


|| Foz do Iguaçu na década de 1920.
Autor da foto não  confirmada. Possivelmente tenha saido da máquina de Harri Schinke, 1º fotógrafo da cidade histórica.

|| Foz do Iguaçu na década de 1920. Autor da foto não confirmada. Possivelmente tenha saido da máquina de Harri Schinke, 1º fotógrafo da cidade histórica.


Foz do Iguassú é uma denominação impropria, applicada á actual cidade paranaense, porquanto a foz do mencionado rio fica a cinco kilometros abaixo. Melhor caberia tal denominação a Puerto Aguirre, que está situada perto da confluencia do Iguassí com o Paraná, já em terra argentina.

No porto nada existe: é um barranco escalvado, de onde parte uma estrada em rampa que conduz ao centro. Á chegada dos navios vão ter alli um automóvel de passageiros e outro de carga e bagagens. Do porto ao hotel o trajecto se faz em alguns minutos.

Não fosse o principío da relatividade, nada haveria que justificasse o titulo de cidade conferido á Foz do Iguassú. Tudo ou quasi tudo alli está por fazer. Não há alinhamento; as ruas ainda não tem calçamento nem iluminação. As construções são quasi todas de madeira, coberta de zinco, A agua, aliás notavel pela sua limpidez e frescura, é tirada de poços desabrigados, alguns dos quaes já em ruinas. 

O que pertence ao governo federal revela o mais pungente abandono. O edifício que se destina á bateria de artilharia, já coberto de zinco, interrompeu a sua construcção e as chuvas e ventanias fizeram-no desabar, ficando de pé alguns fragmentos de parede como ruinas que alli servem de pasto ás murmurações dos visitantes nacionaes e estrangeiros. O outro edificio, o que ia servir de séde á Mesa de Rendas, já com a armação da coberta, foi inexplicavelmente abandonado e a vegetação pujante do solo o invadiu por todos os lados.  E, uma das curiosidades do logar. A lancha fiscal que para alli fora afim de reprimir o contrabando e que, diga-se de passagem, era dirigida por praticos paraguayos, após mil encalhes e desconcertos sucessivos, lá ficou atirada á margem do rio desafiando a revolta mais justa de quantos se interessam pelas coisas nacionaes.

Ninguem quer ser guarda da Mesa de Rendas a menos que tenha outro meio de vida e sirva ... por favor. Imagine-se que a esse funcionario que deve gozar de relativa independencia o nosso governo paga 119$000 mensaes numa terra em que o kilo de feijão custa 1$200, o de arroz de qualidade inferior 2$000 e o pão, 1$500.

Não existe força federal na Foz do Iguassú, apesar da sua dupla situação fronteiriça. E para que se julgue como corria a nossa vigilancia militar (quando existia) basta dizer que serviram na 12ª companhia dois soldados estrangeiros: um argentino e outro paraguayo.

Para que o leitor não supunha que estou exagerando, citarei os nomes: o primeiro chamava-se Protasio Spindola; serviu na Foz do Iguassú e, quando a companhia foi retirada, seguiu com ella. Mais tarde foi apresentar-se ao serviço militar de seu paiz em Posadas. O segundo era o paraguayo Aurelio Carmoni que marchou depois com a companhia para Curitiba. Esses factos são bem conhecidos dos habitantes do lugar. 

A casa do Forum é pardieiro de dimensões ridiculas, sem mobiliario. Não ha officiaes de justiça, pois estes serventuarios ganham 30$000 mensaes. Quem desempenha taes funções é um soldado da Força Publica do Estado. O cargo de escrivão não pode ser provido effectivamente, pois nem siquer tem vencimentos fixos e as custas são uma exiguidade desanimadora.

Em matéria de instrucção existe apenas um escola do sexo feminino mas quasi sempre fechada, apesar de haver o município tomado de bom alvitre de subsidiar o cargo de professora com 200$000mensaes.

O resultado é que o analphabetismo campeia livremente. Da população que pode ser estimada em 2.000 almas sómente 40% são brazileiros; o mais está distribuido por varias nacionalidades, predominando o elemento paraguayo e o argentino. As crianças filhos de peões crescem na maior ignorancia e, privados da educação rudimentar que a escola pode ministrar, adquirem facilmente os maus habitos e maus exemplos do meio vicioso em que vivem. O nivel moral dessa gente é baixissimo. Taes condições, casadas ou sentimentos bestiaes dos homens rudes que alli mourejam desenvolvem a prostituição e o que é mais, com uma precocidade repugnante. Essa observação melhor cabe em relação ás propriedades ribeirinhas, onde os chefes e capatazes, livres da acção de policia, cevam impunemente os seus appetites. 

O serviço de policiamento está confiado a um official da Força Publica do Estado e 18 praças, com séde em Foz do Iguassu. Essa unica autoridade tem que sahir constantemente no encalço de delinquentes, quando lhe chega a noticia dos crimes, enquanto espera a embarcação para ir em direção contraria á da que lhe trouxe essa noticia, o culpado se põe em lugar seguro, de onde volta depois tranquilamente, quando lhe annunciam que a autoridade já regressou ao seu posto. É preciso acrescentar que no Alto Paraná, como nos seringaes amazonenses e na campanha do Rio Grande do Sul, os trabalhadores vivem uma vida aventureira; são brigões, impulsivos e facilmente se trucidam. Na epoca da minha viagem á Foz do Iguassu occorreram varios crimes.

Em Santa Helena um peão tentou assassinar um administrador, conseguindo feril-o gravemente. Foi morto na mesma occasião por outros peões, que sahiram em defeza do chefe  e também tinham sido alvejados. Em São Francisco um capataz matou peão por uma questão de ajuste de contas. A casa Nunes Gibaja, proprietaria do logar, fez descer o culpado no primeiro vapor que passou e só no dia seguinte deu aviso do crime á autoridade. Numa propriedade central da (ilegível) |Barthe deu-se crime identico. Perto de Foz do Iguassu um peão assassinou por questões de dinheiro.

Não é preciso augmentar essa tragica relação para dar uma ideia da ferocidade pecualiar a taes homens. Para os patrões elles vivem no regimen do "adelanto" ou "antecipo"; isto é — o adiantamento de salario.

Não trabalham para quem quer que seja sem receber por adiantamento uma determinada somma, que bem cedo gastam nas cousas mais futeis. Os patrões, por sua vez, desforram-se nos preços dos generos que lhes fornecem. Dahi as desintelligencias entre peões, capatazes, administradortes e até patrões.

Eis em traços largos e sem exagero o conjunto de impressões desfavoraveis que nos suggere a região. A causa fundamental de tudo issoi é o isolamento em que ella se acha, sem um serviço de communicação que possa animar o povoamento e expansão commercial nas varias modalidades da iniciativa particular. O numero de casas commerciaes é pequeno: ha 5 brazileiras e duas estrangeiras. Alguns generos brazileiros que entram na Foz do Iguassu são importados pela Argentina; depois de onerados com os impostos aduaneiros deste paiz, tem de pagar ainda novos impostos em o nosso proprio território, por isso que vem do estrangeiro.

É esse regimen fiscal numa região em que o contrabando pode campear livremente. O resultado é que quando os navios sobem o Paraná, chegando á Foz do Iguassu nada descarregam; quando descem é que trazem mercadoria "nacional" (que ninguem viu embarcar) dos portos brazileiros em que tocam.

Não seria muito mais intelligente, em vez de obrigar o commercio a pratica desonesta ao contrabando, outro regimen aduaneiro, compatível com a situação "sui generis" em que se encontra aquella parte do territorio nacional? Não seria preferivel celebrar um convenio temporario com a Argentina e com o Paraguai, mediante uma troca de favores reciprocos no sentido de alliviar o comercio do Alto Paraná, até que pudessemos, com o estabelecimento de communicações pelo territorio nacional, abastecel-o amplamente?

São sugestões que ahi ficam para par quem de direito. O excursionista já se desviou demasiado do seu caminho.Que o leitor perdõe essas constantes diversões.

O municipio da Foz do Iguaçu foi creado pelo lei 1.383, de 14 de março de 1914 do Estado do Paraná, que lhe deu os limites.

A sua área totol abrange 18.404 kilometros quadrados. O clima é bastante supportavel ainda no auge verão e no inverno, descendo o thermometro até 4°C.

A actual cidade da Foz do Iguassu era a séde da antiga colonia militar, fundada em 1888 pelo engenheiro militar José Joaquim Firmo (Firmino, grifo nosso), que fazia parte da Commissão de Estradas Estrategicas no Paraná.

O primeiro orçamento do municipio no anno de fundação foi de 31:058$440 e dahi para cá tem augmentado sempre sendo o do exercicio de 1918-1919 de 70:935$025, inclusive a renda extraordinaria proveniente da emissão de apolices. A Camara arrecadou a arrecadação dos impostos (estadoaes do Paraná, relativos á exportação de madeiras 3$600 por metro cubico real) e herva matte (65 reis por kilo) e os de importação (patente commercial) mediante a paga de 15:000$ mensaes. Essa arrecadação deixa pequenos saldos que são applicados em melhoramentos no município.

A cultura principal relativamente á area utilizada é a de milho, que occupa 1.650 alqueires; seguem-se o aipim, com 310; o feijão com 267. Cultivam-se ainda, em menor escala, arroz, canna de assucar, batata, fumo, alfafa, amendoim, arvores fructiferas e hortaliças. Foi iniciada com bons resultados a cultura da uva e fabricação de vinho. Por todos os quintaes e jardins e até na área das ruas e praças veem-se viçosas laranjeiras e, entre elas, a laranja apipú, propria para refrescos pela grande acidez.

Ha pouca industrial pastoril, comquanto a criação de carneiros possa ser grandemente desenvolvida. Em Porto Artaza existe um numeroso rebanho da raça Rambouillet, que se adapta perfeitamente ás condições do meio. 

Na séde do municipio ha cinco casas de commercio. Contam-se ainda as de Porto Artaza, Santa Cruz, Santa Helena, Porto Mojoli, Porto 12 de Outubro, Porto Britania, Estrada Bella Vista, Santo Thomaz, et.c. As pequenas industrias localizadas na cidade limitam-se a: 1 fabrica de gazozas, 1 olaria, 2 engenhos de canna, 1 serraria, 1 moinho, 1 tafona de farinha, 2 marcenarias, 2 carpintarias, 6 padarias, 1 sapataria, 1 ferraria, 1 alfaiataria, 1 barbearia, etc. Não nenhuma pharmacia nenhum medico.

O regimen de terras é o seguinte: por decreto de 11 de agosto de 1914 foram reservadas para o patrimonio da Camara as terras devolutas existentes num raio de 3 kilometros; por dec. de 8 de junho do mesmo anno foi creada uma circumscripção colonial, abrangendo todo o município, no intuito de facilitar aos colonos a acquisição das terras; por decreto de 28 de julho de 1916 foi declarado de utilidade publica o lote de terras concedido a Jesus Val, pelo Ministerio da Guerra, na ex-colonia militar, com area de 1.008 hectares, á margem direita do rio Iguassú, junto aos saltos Santa Maria, afim de estabelecer-se alii o futuro parque e povoação.

Na séde do município as pessoas principaes do logar vivem como num seio de Abrahão. Reina a mais sã cordialidade entre todos, sob uma especie de presidencia tacita do Prefeito, o sr. coronel Jorge Schimmelfeng, pessoa verdadeiramente estimavel, a quem o Iguassú deve serviços valiosos. O hotel, mantido hoje pelo cidadão argentino Enrique Neuenberg, é um ponto de reunião forçado. As pessoas gradas do logar visitam alli os excursionistas e bem cedo se estabelece entre todos a maior intimidade. 

O cinema ainda não conquistou a Foz do Iguassú o que custa a acreditar. As diversões habituaes são os bailes dos peões e os velorios. O velorio, costume paraguayo, é o que chama fazer quarto a defuntos. O leitor ha de admirar que eu inclua entre as diversões cousa tão lugubre, mas de facto é uma dellas. A vigilia comporta uma sessão de jogo, comes e bebes e, ás vezes, até dansas. Vela-se o defunto e vela-se depois a cruz da sepultura quando tem de ser collocada no logar. Ahi então a farra é colossal. Bailes e velorios precisam de licença da autoridade local.

Na Foz do Iguassú, menos, entretanto, que noutros pontos do municipio, sente-se a falta de elemento nacional. Se a situação não é peior ainda deve-se o facto á iniciativa do Prefeito, que tudo faz no sentido de manter a nossa influencia, procurando estimulal-a num esforço ingente. A sua acção faze-se sentir por mil formas, assim na esphera official como na commercial e industrial, animando todas as iniciativas e pondo-se á frente de todas as idéas de que resultar o progresso da região a que consagrou e que, em grande parte, é obra sua.

O Cel. Schimmelpfeng, que, máo grado o nome, apresenta o typo mais perfeito e acabado de brasileiro, além de prefeito, é ainda deputado á Assembleia parananense, e o principal negociante de todo o municipio, Acredita cegamente (e assiste-lhe toda a razão aliás) que á região do Yguassu, de que se constitui demiurgo, está reservado o mais brilhante futuro. E nessa convicção louvavel não o entibiam as empresas mais arriscadas. Agora mesmo, não tendo obtido o concurso dos capitalistas a quem se dirigiu, está construindo, por sí só na esplanada de observação dos famosos saltos de Santa Maria, um hotel modelo, com todo o conforto moderno, provido até de installações para jogos e sports, no intuito de attrahir para a margem brasileira a volumosa corrente de turistas que o Expresso Internacional Argentino encaminha para Puerto Aguirre (sic) (A Republica. Curitiba: Anno XXXIV, nº 245, ed. 13 de outubro de 1920, p. 1 — Biblioteca Nacional Digital). 

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