Edith Anna Schmitz von Borstel

29 de Fevereiro de 2016

“A gente trabalhava o dia inteiro e à noite, se precisava. Não tinha folga”.

Os irmãos von Borstel e o primeiro posto de combustíveis

Aos 91 anos, a pioneira Edith von Borstel ainda traz na firmes na memória fatos históricos marcantes do início da colonização de Marechal Cândido Rondon. Em entrevista ao projeto “Memória Rondonense”, ela fala sobre a decisão dela e do marido Edvino von Borstel⁽¹⁾ de mudarem-se para a Vila General Rondon no início da década de 1950, onde destacaram-se desempenhando, principalmente, a atividade de comerciantes tendo instalado o primeito posto de combustíveis da recém-nascida comunidade que se transformou no município de Marechal Cândido Rondon.

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Nascida em 16 de agosto de 1925, em Piratuba (SC), e batizada como Edith Anna Schmitz⁽²⁾, ela casou-se com Edvino von Borstel ⁽¹⁾ em 12 de janeiro de 1946. A cerimônia também aconteceu em Piratuba.

A proposta do novo casal para começar a formação de seu “pé-de-meia” como casados, foi continuar em suas atividades profissionais de solteiros. Ela continuaria como caixa-geral do Armazém Ipira – uma sociedade anônima com loja e frigorífico. Ele seguiria com táxi (um pé-de-bode que acabou tendo seu paradeiro final em Marechal Cândido Rondon) na cidade de Piratuba, em sociedade com o irmão Rudi e operado por ele. Edvino permaneceria trabalhando com caminhão, fazendo transporte.

O principal tipo de frete, na época, era o transporte de madeira de pinho, tirada dos imensos pinheirais localizados no atual município de Machadinho com destino à cidade de Marcelino Ramos, dois lugares no Rio Grande do Sul, às barrancas do Rio Pelotas, o último na confluência deste com o Rio do Peixe, formando o início do Rio Uruguai. Edvino von Borstel trabalhou nessa atividade por quase quatros anos.

O primeiro caminhão que o então jovem Edvino teve para trabalhar foi disponibilizado pelo futuro sogro, em 1943. Como no ano seguinte aquele que seria seu futuro genro foi convocado para servir o Exército, o senhor Schmitz vendeu o veículo no citado ano, pouco antes de seu prematuro falecimento.

De retorno do serviço militar e com o casamento logo em seguida, a mãe de Edith passou a moradia e a garagem para o jovem casal como herança. Eles venderam a garagem para comprar um novo caminhão. Esse utilitário teve também seu destino final em Marechal Cândido Rondon.

Enquanto Edvino seguia trabalhando com caminhão, seu sócio, o irmão Rudi, permanecia com o táxi, atividade melhorada com a aquisição de um carro mais amplo – um tipo parecido com a atual van –, da marca Chevrolet, própria para o transporte de pessoas a longa distância. A maior parte desse serviço, no começo, era levar doentes para as cidades de Concórdia (SC) ou Porto Alegre (RS), encaminhadas pelo médico Friedrich Rupprecht Seyboth, na época estabelecido com hospital na cidade de Ipira (depois médico pioneiro a partir de 1953 em Marechal Cândido Rondon).

Mais tarde esse veículo foi usado no transporte de conterrâneos interessados na compra de terras no Oeste do Paraná. O próprio Edvino se tornou  vendedor de terras⁽⁴⁾, atuando como corretor da Colonizadora Maripá. Em Marechal Cândido Rondon ficou responsável pela venda de terras da região do Arroio Fundo, as quais praticamente vendeu todas.

Vinda ao Paraná

Com o estouro da colonização da Maripá no Oeste do Paraná, de onde voltavam conterrâneos contando vantagens e mais vantagens sobre o grande progresso que seria possível alcançar, ao final de 1949 Edvino von Borstel e mais grupo de moradores de Ipira e Piratuba alugaram um Jeep e viajaram até Toledo para conhecer a região da nova colonização.

A ideia de Edvino era se estabelecer na cidade de Toledo com uma oficina-mecânica. A profissão ele tinha aprendido em Piratuba, com Karl-Heinz Koniecziniak⁽⁵⁾, irmão de Theodoro Koniecziniak, seu concunhado, também depois pioneiro rondonense e fundador da Auto Mecânica Rondon. 

A colonização da Maripá avançava no Oeste paranense e milhares de famílias começaram a se mudar para o projeto, do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (a Maripá concentrou quase 100% a venda de terras para famílias desses dois estados). Como havia necessidade de caminhões para o transporte de mudanças, Edvino deixou o ramo madeireiro e começou a atuar na nova demanda. Em pouco tempo trouxe 32 famílias da região de Piratuba para a principiante General Rondon. Muitas dessas mudanças foram feitas quando Edvino já morava com a sua família no Paraná.

Segundo recorda a senhora Edith von Borstel, o seu esposo trouxe as mudanças dos pioneiros Oscar Kaefer, das famílias Syperreck, do cunhado Waldemar Schwingel⁽⁶⁾, de sua própria mãe,  a do Dr. Seyboth⁽⁷⁾ , entre outras.

Vinda a General Rondon

Depois de conhecer bem a região da futura cidade de Marechal Cândido Rondon e suas potencialidades, junto com a esposa e após demoradas conversas com Willy Barth, Edvino deixou de lado a ideia de morar em Toledo e se instalaram em General Rondon, mesmo com terrenos já comprados naquela cidade.

Do renomado empreendedor Willy Barth, que já havia colonizado a região de São Miguel do Oeste (SC), ouviu muitas vezes que pretendia fazer de General Rondon uma cidade bem planejada e organizada (um propósito um tanto esfacelado nos dias atuais). Edvino e Willy Barth mantiveram uma sólida amizade até a morte do último em 02 de abril de 1962.

Na metade 1953, o casal Edvino e Edith já estava se organizando em Piratuba para se mudar General Rondon. Antes já tinham partido de lá o irmão Arno e mais dois ajudantes e Edwino para construirem a garagem para abrigar o caminhão e o pé-de-bode  e preparar a construção de um espaço provisório para abrigar a família até edificar a casa, mais um espaço para abrigar o que se tornaria o memorável Bazar Schmitz.

Arno von Borstel e seus dois ajudantes, enquanto construíam a garagem e depois a residência do irmão, ficaram hospedados na casa do pioneiro Arlindo Deuner. Anos depois, Arno também veio residir em Marechal Rondon com sua família.

Com o abrigo para os veículos quase pronto, Edvino retornou a Piratuba para buscar a esposa os filhos e uma parte da mudança - somente o absolutamente necessário para aquele momento. Chegaram aqui em 06 de agosto daquele ano. Ficou para trás com a avó, mãe de Edith, o filho caçula Frederico, que estava acometido de coqueluche.

Chegando em General Rondon, Edith relata que teve que conviver com o desconforto total, bem ao contrário do bem-morar e viver que possuía na sua cidade natal. Aqui tinha que residir numa garagem, cozinhar numa chapa improvisada em cima de tijolos, precariedade absoluta para o asseio pessoal, lavar roupas e assar pão na residência de um pioneiro que morava onde hoje está a Relojoaria Bortolon, a Avenida Maripá, tirar leite da vaca na estrebaria que ficava onde hoje está a sede da Imobiliária Waldow.

Com a residência concluída – uma excelente moradia para a época, confortável, espaçosa, toda construída em madeira beneficiada, em fins de novembro – o casal Edvino e Edith, com os dois filhos, retorna a Piratuba para buscar o restante da mudança, o estoque da livraria e papelaria da senhora Helena Schmitz, sogra de Edvino, que decidiu acompanhar a filha ao Oeste do Paraná.

A saída de Piratuba ocorreu no começo da segunda semana de dezembro.  Edvino veio com o restante da mudança no caminhão; a  esposa, os três filhos, a sogra e a cunhada Úrsula (irmã de Edith) com a filha Helena, vieram no pé-de-bode dirigido por Rudi von Borstel, irmão de Edvino e sócio nos negócios.

Posto Os Pioneiros

Tão logo que acomodou a família e o restante da mudança no nova residência, Edvino viajou a Curitiba atrás de distribuidoras de combustíveis com o propósito de encontrar uma delas disposta a ser representada em General Rondon. Daquelas que procurou, somente a Esso se interessou no negócio e fechou contrato de fornecimento de gasolina. Surgia o primeiro posto de combustível de General Rondon: “Os Pioneiros”, localizado no cruzamento das avenidas Rio Grande do Sul e Maripá.

Por vários anos, o combustível foi transportado de Paranaguá a General Rondon em tambores, em demoradas viagens de três a quatro dias ou mais, conforme as condições da estrada, que Edvino fazia no caminhão de carroceria trazido de Piratuba. Era uma viagem penosa, porque antes de subir a Serra da Graciosa, pelo antigo caminho - ainda não existia a rodovia federal BR-277 - era preciso descarregar a metade da carga de tambores cheios de combustíveil. Com carga completa, o caminhão não dava conta. Um vez no alto serra, era descarregada esta metade da carga eretornava-se para buscar a outra parte deixada  ao pé da serra. Novamente no planalto carregava-se  a parte depositada e seguia-se viagem. 

Ele só deixou de fazer o trajeto, substituído pelo irmão Rudi, quando começaram as obras de melhoria das instalçaões do posto.

A gasolina em General Rondon, naquele tempo, era vendida em latas de querosene. O combustível era tirado do tambor por uma bomba acoplada e acionada manualmente.

Com a expansão das vendas, a Esso providenciou um tanque subterrâneo e uma bomba tocada a manivela para abastecer. Assim, foram longos dias e longas noites. Com sol, chuva ou frio, não tinha hora para atender quem necessitava de combustíveis. “A gente trabalhava o dia inteiro e à noite, se precisava. Não tinha folga”, lembra Edith.

Ela conta que “quando a colonizadora Maripá passou a explorar a madeira-de-lei na região de Nova Santa Rosa e embarcá-la em Porto Britânia com destino a Argentina, havia, às vezes, 10 a 13 caminhões para serem abastecidos manualmente”.

Paralelamente, os dois irmãos-sócios Edwino e Rudi ampliaram as atividades com a lavagem de carros, troca de combustíveis e conserto de pneus.

Em 1960 foi comprado o primeiro caminhão-tanque – um Mercedes, acabando com o enorme sacrifício e perigo que era transportar combustíveis em tonéis e depois derramar a gasolina no tanque.

Com o crescimento acelerado do desenvolvimento da região que demandava por mais volume de combustíveis, a empresa Edvino von Borstel & Irmão adquiriu três caminhões-tanque FNMs. Na viagem de ida, estes caminhões levam em cima dos tanques cargas de toras de madeira-de-lei, quase sempre pau-marfim com entrega nas laminadoras do centro do Estado e na Capital. Na volta, traziam gasolina.

Com a frota, os irmãos von Borstel também abasteciam o posto de Léo Borgmann, em Nova Santa Rosa;  o posto da família Fernandes, em Porto Mendes; e da família Focking, na então vila de Entre Rios.

Com a demanda por combustível aumentou ainda mais, os FNM’s foram substituídos por três caminhões Scania.  Nesse tempo os dois irmãos também instalaram três novos postos: um na Avenida Maripá, esquina com a Rua Espírito Santo, em frente à atual sede da Sicredi; em Quatro Pontes, com bandeira Ipiranga  sob os cuidados do casal Edmundo e Izoldi Schmitz Timm; e em Novo Três Passos, com a bandeira Atlantic.

Anos mais tarde, por interesse em outros negócios, os dois postos do interior foram vendidos e o posto filial na cidade de Marechal Rondon acabou desativado. Com a chegada da idade e abertura da sociedade entre os dois irmãos, o pioneiro posto de combustível foi sendo sucessivamente alugado. Contudo, nos últimos tempos isso não mais aconteceu por falta de interessados.

(A produção deste texto foi resultados de longas conversas com a sra. Edith von Borstel, com a colaboração de Fred Koniecziniak, Otti Freitag e Liselotte von Borstel).

⁽¹⁾ Este sobrenome tem sua origem no Brasil com o imigrante alemão que chegou ao Rio Grande do Sul, região de Pareci, próximo a Montenegro, procedente do Hunsrück”.

⁽²⁾ O pai de Edith Anna, José Augusto, era bisneto de Phillip Schmitz, sobrevivente-náufrago do desastrado navio alemão Cäcelie⁽ᵌ⁾.

A mãe, a senhora Helena, muito bem conhecida em Marechal Cândido Rondon como “Frau Schmitz” e proprietária do histórico “Bazar Schmitz”, era natural de Berlim, de onde veio em companhia dos pais, Arnold Können (em alguns registros aparece como Koennen ou Koenen) e Teekla Courth (de origem francesa), e o irmão Peter (na idade adulta foi morar em Porto Lucena, RS, onde faleceu).

Os pais de Helena se mudaram para o Brasil motivados pela beleza do país. Instalaram-se no interior do município de Erechim, RS.

Ali, Arnald Können foi uma espécie de “João faz tudo”: médico, farmacêutico, pastor, agricultor e mais funções. Mais tarde mudou-se para atuar como médico na Linha 19, em Ijuí, e posteriormente em Victor Graeff, localidades no Rio Grande do Sul.

Teekla Können faleceu em 17 de abril de 1961. Está sepultada no cemitério público de Marechal Cândido Rondon.

⁽ᵌ⁾ Depois de passar por terrível tempestade em que perdeu todos os seus mastros, esse navio foi abandonado pelo Capitão por considerar a embarcação perdida. Ficou vagando ao "Deus dará" pelo Canal da Mancha até ser encontrado por um barco inglês que o rebocou até o porto de Plymouth na Inglaterra. Ali os náufragos aguardaram por dois anos por um novo embarque para a América, fato proporcionado para interferência da imperatriz austríaca D. Amélia von Leuchtenberg em viagem ao Brasil. Os passageiros do Cäcilia que deixaram a Alemanha em 1827 chegaram ao Rio de Janeiro no dia 29 de Setembro de 1829, sendo esta data comemorada, ainda hoje, no "Michelskerb" (Kerb de São Miguel) de Dois Irmãos e São José do Hortêncio,  no Rio Grande do Sul, onde a maioria dos passageiros do Cäcilia se estabeleceram.

Nesse naufrágio morreram 20 colonos e dois soldados.

⁽⁴⁾ Conhecendo pouco tempo depois as terras planas que se localizavam ao norte da então Vila de General Rondon, Edvino von Borstel ficou muito desgostoso com a estratégia adotada pela empresa Maripá de oferecer para compra primeiro as terras dobradas e deixar as áreas planas meio escondidas, sem ofertá-las, até que tivessem  sido repassadas aquelas com encostas e morros.

⁽⁵⁾ Os dois irmãos Koniecziniak se estabeleceram em Piratuba, vindos de Rio do Sul, localizada no Alto Vale do Itajaí.

Na época, a cidade de Piratuba um era ponto econômico muito forte, bom para se ganhar dinheiro, por ser um entreposto da estrada de ferro da Brazil Railways, que operava a linha de trem São Paulo-Rio Grande do Sul.

Theodoro  Koniecziniak é pai de Fred Teodoro casado com Rosamaria Lohmann (moram em Curitiba), Ralf casado em segundas núpcias com Claudenice Gonzaga (moram no Paraguai), antes casado com Elizabeth Thessing; Helena casada com Heitor Danilo Brenner (moram em Marechal Cândido Rondon) e Renate casada com Karl Isenberg (moram no Mato Grosso do Sul).  

O sobrenome Koniecziniak tem sua origem no Brasil com Alexander Albert Wilhelm Koniecziniak, imigrante alemão nascido em Lehe, próximo a cidade portuária de Bremen, Alemanha, em 1889, casado com Teelke Kornelia Johanna Schröder, natural de Detern, região administrativa de Leer, Baixa Saxônia, onde ela nasceu em 19 de abril de 1890.

O casal imigrou para o Brasi, na companhia de seus dois filhos Karl-Heinz e Alexander,  em 18 de dezembro de 1922, com embarque no porto de Bremerhaven, pelo navio navio “Gotha” e aportou na cidade do Rio de Janeiro em 08 de janeiro de 1923.

No Brasil,  se estabeleceram em Santa Catarina, na região de Rio do Sul, na localidade de Matador.

Alexander Albert faleceu em 15 de março de 1969 e sua esposa Teekle Kornelia Johanna em 22 de julho de 1964. Ambos estão sepultados no cemitério público da sede municipal de Marechal Cândido Rondon.

⁽⁶⁾ Veio um comboio de três mudanças: a de Waldemar Schwingel e da mãe de Edvino no caminhão do Edvino, a de Ervino von Borstel, irmão de Edvino, em caminhão próprio, e a de Hugo Freitag (pai de Adolfo Freitag – presidente da SICREDI), cunhado de Edvino e Ervino, em caminhão contratado de terceiro.

As três mudanças ficaram retidas por diversos dias, cerca de duas semanas, na região de Laranjeiras do Sul, por causa de chuvas. Na época,  as estradas eram trancadas para não serem danificadas. Durante esses dias parados, as famílias dos três caminhões  consumiram um saco de arroz de 60 quilos e os frangos que vieram nas mudanças.. Era os dois  únicos alimentos disponíveis e mais o  leite das vacas que vinham com os novos rondonenses.  A mudança de Ervino von Borstel ficou retida uns dias a mais por problemas mecânicos no caminhão. Nesses dias parados, sozinha na estrada,  estranhos chegaram a noite e roubaram a família levando as jóias  da senhora Liselotte -  esposa de Ervino .

⁽⁷⁾ O Dr. Seyboth e família, ao chegarem de mudança em General Rondon, acabaram morando por cerca de duas semanas na residência de Edwino e Edith von Borstel até que a sua futura residência ser concluída. Como as instalações de banho demoraram um pouco mais para ficarem prontas, a família Seyboth continuou fazendo seus banhos na moradia dos von Borstel, por mais alguns dias. 

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A pioneira Edith Anna Schmitz von Borstel faleceu no dia 05 de janeiro de 2017 e foi sepultada no dia seguinte no cemitério público da sede municipal de Marechal Cândido Rondon (nota do pesquisador).

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