Hartwig Schade: o construtor e projetista

06 de Julho de 2017

Você que já passeou ou até mesmo fez uma roda de chimarrão numa ou nas três praças pioneiras de Marechal Cândido Rondon, ou naquelas das  sedes municipais de Quatro Pontes, Mercedes e Entre Rios do Oeste, ou nas sedes distritais rondonenses de Porto Mendes, Iguiporã e Margarida, com certeza não sabe quem projetou estes aprazíveis locais públicos (alguns um poucos decaídos).

É possível que algum pioneiro rondonense ainda venha a se recordar do homem que desenhou e implantou esses logradouros e executou outras obras  relevantes nos 1950/60  no município.  Trata-se de Hartwig Schade.

 

Chegada a Marechal Rondon

Este catarinense natural de Taió⁽¹⁾, SC, chegou a então General Rondon em 20 de janeiro de 1954, como contratado  de um senhor de apelido “Schmidtão” (a fonte informativa não soube precisar o nome correto, apenas lembrou do  apelido).

 

¹ O município integra a região do Vale do Itajaí e localiza-se perto da cidade de Rio do Sul. Segundo o Censo 2010, sua população é de aproximadamente de 22 mil habitantes.

Os primeiros  colonizadores chegaram ao futuro município por volta de 1917, vindos da região de Blumenau. Consta que o primeiro povoador foi o alemão Eugênio Grossmüller.

A palavra “taió” tem sua origem no linguajar indígena “tayo”, que significa “pedra grande”, “morro grande”, provavelmente uma alusão local ao Morro do Funil, que se destaca na paisagem taioense, cuja cidade encontra-se a 359 m de altura em relação ao nível do mar.

       

Schmidtão  veio do norte do Paraná para se estabelecer com  um moinho⁽²⁾ em Marechal  Rondon. Saiu de Tupinambá, no atual município de Sabáudia⁽²⁾, na época integrando a grande Rolândia. Para levantar a grande obra  contratou a Hartwig Schade para seu ser principal construtor.

       

² O moinho foi vendido alguns meses depois de ficar pronto  para o senhor Ewald Henke.

 

³ A região foi colonizada por italianos paulistas e o nome da cidade é uma homenagem à cidade italiana de Sabaudia, criada  por Benito Mussolini  junto ao Mediterrâneo, em 1933. Dista cerca de 100 quilômetros de Roma (imprensa pm- saubadia/consuelo pascolato). 

Como é amplamente conhecido, muitos catarinenses-alemães migraram de seus locais de origem para o norte paranaense no período colonizatório, atraídos pelas extensas terras férteis e pouco montanhosas.

 

O pioneiro Hartwig Schade chegou a então General Rondon com seus três filhos menores do  primeiro casamento. Hospedou-se no Hotel Avenida permanecendo na casa  até casar-se  com a jovem  Herta Hassemer⁴, também pioneira na vila como ele, em 04 de setembro de 1954.   

 

⁴  A família Hassemer -  o casal pioneiro José e Adolina (Kramer) Hassemer  em companhia dos filhos , Hertha, Rudolfo (Rudi), Rolf, Irmgard e Roberto – chegou a Marechal Rondon, procedente de Arabutã, então pertencente ao município de Concórdia (SC), no dia 06 de junho de 1953, após três dias de viagem.  A família é pioneira na Linha Ajuricaba.

José Hassemer nasceu na Alemanha. Foi um exímio músico e como tal integrou as primeiras bandas e orquestras de Marechal Rondon.

Na mesma mudança veio com seus pertences o cunhado de José Hassemer, Osvino Ernesto Wolfart e  esposa Francisca Vilma Hassemer, com os  filhos Enna, Claúdio  e Gladis, também procedente de Arabutã.

As duas famílias pioneiras inicialmente foram morar no  depósito de bebidas pertencente na época aos senhores Paulo Nack e Hugo Borgmann, até que conseguissem construir as residências em suas propriedades: José Hassemer na Linha Ajuricaba e Osvino Ernesto Wolfart no distrito de Iguiporã.

Detalhe: Os irmãos José e Francisca Vilma Hassemer são filhos do casal de imigrantes alemães Karl Hassemer e Marianne Priegels que instalou-se na cidade de Erechim, RS.

Karl Hassemer veio trabalhar na Estrada de Ferro São Paulo –RS. Ver mais, clique aqui

 

Um Autodidata

Hartwig Schade trouxe da infância uma boa escolaridade. Adquirida na escola comunitária alemã laica de Benedito Velho, localidade de seu nascimento, na região de Taió, SC.  O educandário foi implantado e mantido  pela própria comunidade local, segundo a viúva Herta Hassemer Schade.

Aliás, essa era a política adotada pelo governo central – algo que já vinham da época do Império -  em relação a alfabetização nos povoamentos de imigrantes.  as comunidades  tinham autonomia para  organizar seu próprio processo educacional e sem qualquer objeção de ser o ensino na língua de origem. Assim, os proprios núcleos comunitários mantinham  uma bem organizada estrutura de apoio para que essas unidades escolares oferecessem uma boa qualidade de ensino

⁵ Os alemães, italianos, poloneses e japoneses, ao se estabelecerem em áreas rurais formando núcleos populacionais com características e estruturas marcantemente étnico-culturais, tiveram maior visibilidade enquanto imigrantes e promoveram as escolas elementares comunitárias. Estas escolas tinham uma conotação fortemente étnica...   A tradição escolar era bastante diferenciada entreas diversas etnias de imigrantes...    O Brasil foi o país com maior número de escolas étnicas na América, embora tivesse um afluxo relativamentepequeno de imigrantes. Apenas 24% dirigiram- se à América do Sul, e o maior contingente optou pela Argentina. Esta recebeu 6.405.000 imigrantes entre 1856 e 1932, e o Brasil, em segundo lugar, registrou 4.903.991imigrantes entre 1819 e 1947. Enquanto isto a América Anglo-Saxônia recebeu 68% da imigração europeia (Carneiro,in Kreutz, 2000).

No Brasil, o número mais expressivo de escolas étnicas foi dos imigrantes alemães, com 1.579 escolas em 1937, seguindo-se os italianos, com 396 escolas em 1913 (e 167 na década de trinta). Os imigrantes poloneses tiveram 349 escolas e os japoneses 178 (ou 260, ou486?),  também na década de trinta. Entre outros grupos de imigrantes ocorreram igualmente algumas iniciativas quanto a escolas étnicas, porém em menor número (Kreutz, 2000).

 

Até a idade adulta, casado, quando foi residir no Norte do Paraná, Schade sabia poucas palavras em português e nada de sua gramática. Como pessoa sempre muito decidida em aprender, logo assim que chegou a Sabáudia – lugar com predominância de língua portuguesa -, tratou de aprender a falar e escrever no idioma. Em pouco tempo, chegou a ser fluente no linguajar.  

Desde cedo Hartwig mostrou grande interesse por livros – até falecer em 2003 mantinha em sua residência uma boa biblioteca  sobre vários temas.  Tinha predileção por assuntos de construção, projetos, jardinagem, entre outros.

Quanto ao vasto conhecimento que teve sobre edificações e formulação de projetos, segundo a esposa, aprendeu tudo por si, observando os outros fazer e melhorando isso a partir de seu jeito de encarar as coisas e consultando  livros. Tornou-se um carpinteiro, um mestre-de-obras e projetista de “mão cheia”. Primava em fazer bem feito as obras para qual era contratado.  

Foi o homem de confiança de muitos empresários pioneiros e, em especial, de Arlindo Alberto Lamb, primeiro prefeito eleito de Marechal Cândido Rondon, que entregava a ele a execução dos projetos públicos mais audaciosos no município, pois  sabia que o serviço ia sair bem feito.

       

Obras como testemunhas

Das construções erguidas por Hartwig Schade em Marechal Cândido Rondon, muitas ainda permanecem e testemunham sua devotada profissionalidade e o domínio da arte de construir.

As fotografias recordam  obras que o tempo e  razões motivaram seus fins, como é o caso:

        1 ‒ do Moinho Henke;

        2  ̶  da antiga sede social do Clube Aliança, no centro da cidade;

        3  ̶  da primeira ponte⁶  de madeira  para a travessia do Rio São Francisco, entre Pato Bragado e Entre Rios;

 

⁶ A ponte foi destruída na grande enchente do rio em 1973.

 

 Permanecem ainda hoje referências materiais desse construtor, entre residências e outras edificações na cidade, em 29.04.2019:

 

          1   ̶  a ampliação e revitalização  da parte frontal do Hospital e Maternidade Filadélfia, nas décadas de 1950/60;

          2  ̶   a residência⁷ da própria família à Rua Rio de Janeiro – uma das primeiras residências em alvenaria em Marechal Cândido Rondon;

 

⁷ a primeira moradia do casal Schade, construída por ele (não existe mais), localizava-se no terreno de esquina da  Rua São Paulo (sentido oeste-leste) e Rua Tiradentes, onde hoje é  a morada do casal Henn;

 

         3  ̶   a base da atual igreja da Comunidade Martin Luther;  

        4 ‒ a primeira caixa d’água elevada do SAAE , na sede municipal;

        5 ‒ os primeiros armazéns da Copagril, em Marechal Rondon.

 

A essas obras somam-se as praças⁸ já referidas, projetadas  e  quase todas implantadas e ornamentadas com plantas que o próprio Hartwig pessoalmente escolheu no Horto Municipal de Maringá.

 

⁸ A praça central  na cidade de Pato Bragado, é o único logradouro público não projetado por Schade. Na encontro feito com a comunidade na época, os moradores decidiram por um desenho que estava estampado numa bala(doce), que um pioneiro local trouxe a reunião.  

 

A palavra de quem ajudou

Luiz Alberto Schade, filho de Hartwig , era uma menino de seis para sete anos quando ajudou o pai na instalação das praças de Marechal Cândido Rondon e dos distritos. Ele rememora a vivência naqueles dias de trabalho: "Eu ajudei nas praças de Quatro Pontes,  Mercedes e Entre Rios!  Lembro bem, fomos duas vezes a Quatro Pontes. Na primeira, uma avaliação, na segunda, demarcar. O pai esticava a linha, o ajudante ‘cravava' os piquetes no chão e eu estava com meus braços abertos cheios de piquetes. Em Mercedes, também lembro, a quadra estava arada/trabalhada e ficou uma árvore, a qual um professor local pediu para deixá-la no local, pois os alunos a tinham plantado por ocasião do Dia da Árvore. O pai concordou. Entre Rios foi o pior local. A quadra estava tomada pelo mato. O pai fez o balizamento da quadra e eu paguei. Imagina uma quadra 100 por 100, eu no meio segurando a baliza e o pai dando instruções! Este dia também me marcou, pois foi a primeira vez que eu vi um cortejo fúnebre. Enquando nós estávamos na 'futura praça', o cortejo passou e eu lembro que o pai parou, tirou o chepéu e aguardou o cortejo passar. Naquele época eu devei ter uns seis, sete anos. Bom tempos". 

           Projetos alterados

          As intervenções do Poder Público sob o argumento de revitalizar⁽⁹⁾ as praças de Marechal Cândido Rondon alteraram os desenhos originais - algumas com pequenas mudanças, outras mais drásticas. No caso da Praça da Católica, como é mais conhecida a Praça Dealmo Selmiro Poersch, houve uma descomposição total do seu traçado original. 

 

          ⁽⁹⁾ Ensinam especialistas que revitalizar significa adequar, aperfeiçoar e reavivar um espaço público para melhor aproveitamento social, sem alterar ou decompor a sua originalidade, suas feições histórico-artístico-culturais.

 

          Homenagem que falta 

          Não se conhece em Marechal Cândido Rondon qualquer reconhecimento público prestado a Hartwig Schade, por sue legado criativo e laborioso na construção da cidade em suas décadas iniciais e nem mesmo alguma placa indicativa nas praças locais anunciando que ela foi projetada por este homem. É oportuno que se pense nisso. Como aconselha Simeon Klein: "Os aldeões que não se lembram em honrar os seus homens bons, e prestam homenagens aos homens de outros lugares, não mercem a aldeia em que moram". 

 

Referências:

           

- A matéria sobre Hartwig Schade foi produzida a partir de conversas com a viúva Herta Hassemer Schade, com o filho Luiz Alberto Schade e pioneiros rondonenses.

- KREUTZ, Lúcio. Escolas étnicas no Brasil e a formação do estado nacional <http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/Poiesis/article/view/527 >. Acesso em 06.07.2017. 

- Memória Rondonense - Facebook - postagem de 06.06.2015.

 

O texto original foi publicado no jornal O Presente, p. 4, ed. 21.08.2015,   28.08.20015, 09.2015 e11.09. 2015 e foram introduzidas nesta publicação algumas modificações para adequação de ordenamento gramatical. 

 


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